segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Nós Pega o Peixe"

BARTH, Tânia Aparecida Neves.
Artigo publicado no jornal Diário Catarinense, Caderno: Cultura, Florianópolis, 04 de junho de 2011.


A língua portuguesa falada no Brasil dormia em berço esplêndido, até a divulgação do Novo Acordo Ortográfico. As mudanças ortográficas provocaram críticas e elogios, mas, principalmente, fizeram com que as pessoas se dessem conta de que já tinham esquecido muitas das regras gramaticais, mesmo aquelas que não eram referidas no acordo. Ia-se escrevendo “por osmose”, utilizando as vagas lembranças das aulas do ensino fundamental e médio. Digo “vagas lembranças” porque, como professora, posso afirmar que muitos jovens, com algumas exceções, saem do ensino médio sem condições de se expressarem bem numa simples redação. Muitos, inclusive, apesar de saberem ler, não conseguem interpretar o que leem.
A internet tem sido apontada como grande inimiga de nosso idioma, mas não é bem assim. Ela é mais uma plataforma de comunicação; quem sabe escrever, escreve corretamente em qualquer plataforma. O “internetês” pode ser utilizado nas conversas rápidas com os amigos via internet, mas na hora de se fazer uma redação para vestibular, por exemplo, obviamente é a linguagem formal que será utilizada. Uma coisa não exclui a outra. Quando a escola, que é o local onde aprendemos as regras que regem a expressão escrita de nosso idioma nativo, cumpre a sua função, não será a internet que nos tirará o conhecimento adquirido.
Essa conversa nos leva, irremediavelmente, à tão controversa cartilha Por uma Vida Melhor, escrita pela professora Heloísa Ramos e distribuída pelo MEC a 4.236 escolas da rede pública, na qual a autora configura o idioma como fator de preconceito social e afirma que a frase “Nós pega o peixe” está correta, pois é considerada “norma popular”. Na verdade, a linguagem popular - ou coloquial - não prevê normas, pois varia de acordo com o contexto social e regional. A frase publicada no livro da professora Heloísa, que diz: "A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio", nos dá uma dimensão da precariedade da visão do Estado em relação ao ensino da língua portuguesa no Brasil. Diga-se, de passagem, que a verdadeira classe dominante no país, hoje, é a classe política; afinal, que cidadão brasileiro consegue construir fortunas que garantam vida abastada a várias gerações de herdeiros, sem produzir absolutamente nada?
O idioma, assim como a moda, a música, além de outras formas de expressão, são considerados aspectos da cultura de um povo. Argumentar que o acesso à escolaridade e o conhecimento da norma culta são fatores de preconceito social e conflito de classes é como dar um tiro no pé. Entendo que todos os cidadãos devem buscar o “prestígio”, pois a ideia é que todos possam, através da educação, alcançar sucesso profissional e social. No entanto, como conseguir ascensão social e profissional falando “Nós pega o peixe”?
Na realidade, o caminho a ser feito é o inverso. Verificamos, com abundância, falhas gramaticais em comerciais de TV, folhetos de propaganda, revistas, jornais, livros, artigos científicos, websites... possuo uma coleção e não dou conta de juntar mais material de estudo. O brasileiro precisa de aproximação com seu idioma. Há um mito de que o Português não é fácil, mas, o que dizer do Alemão, Japonês ou Mandarim? Muitos brasileiros estudam e aprendem tais idiomas, basta observar o grande número de escolas de línguas estrangeiras existentes no Brasil.
O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein escreveu: “Os limites de minha linguagem são também os limites do meu pensamento”. Considero esta frase um resumo exato sobre a importância da capacidade de expressão através das palavras. Aquele que não tem conhecimento do uso das palavras não tem ferramentas para expressar seus pensamentos, portanto, encontra dificuldade para exigir seus direitos, defender suas ideias, divulgar seus conhecimentos, enfim, é facilmente manipulado e tolhido em sua cidadania.
Admito que os livros sobre regras gramaticais são, em geral, densos e parecem destinados àqueles que já são estudiosos do idioma. Após alguns anos lecionando somente para adultos, pude detectar onde estão as maiores dificuldades encontradas na utilização das regras gramaticais, como o uso da vírgula, da crase, dos pronomes relativos, concordância e regência. Nos trabalhos de revisão que executo, onde corrijo livros, monografias e teses, essas dificuldades ficam mais evidentes. Existe muito esforço para se colocar as ideias de forma coerente no papel. Passei a oferecer cursos para acadêmicos e profissionais que desejam relembrar alguns aspectos gramaticais e atualizarem-se em relação à reforma ortográfica. O mercado de trabalho tornou-se mais exigente, no que diz respeito à linguagem, o que, felizmente, está levando muitos profissionais a buscarem o aperfeiçoamento da expressão escrita e verbal. Além dos cursos, lancei, em 2010, o livro Português Facilitado, onde procuro abordar a gramática de forma simples e, como o próprio nome diz, facilitada. A língua portuguesa é um aspecto importante de nossa cultura; é bonita, musical e merece ser tratada com carinho.

Professora Tânia Neves
www.professoratanianeves.com.br

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