segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Globalização e o Consumo

BARTH, Tânia Aparecida Neves.
Capítulo da dissertação do trabalho de conclusão de curso de Especialista em Gestão de Comunicação e Marketing. Florianópolis, 2011.

A globalização é um processo antigo que teve seu início quando o homem passou a viver em sociedade. Esse processo, embora existisse, era limitado pelas barreiras das distâncias e a precariedade dos meios de transporte e de comunicação entre os povos. As culturas regionais possuíam fronteiras bem definidas e as distâncias, bem como os meios de transportes precários, tornavam escassas as informações sobre o que ocorria em outras regiões. As histórias, nem sempre verídicas, a respeito de outros povos, eram contadas pelos raros viajantes, embora houvesse certa interligação de alguns costumes ligados à moda, vocabulário e bens de consumo. No Brasil colonial, por exemplo, alguns elementos da cultura francesa, tais como mobiliários, vestimentas e manifestações artísticas foram incorporados pelos nobres e comerciantes bem sucedidos, como símbolo de status social.
Segundo Castells (2000, p.497):

Redes constituem a nova morfologia de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social.


Podemos considerar que o homem sempre caminhou para a socialização, para a troca de conhecimentos e de informações, desde que passou a viver em grupos, sejam familiares ou sociais. Em meados do século XV, o processo de globalização teve seu primeiro impulso, gerado pelo desenvolvimento da navegação, pelos descobrimentos e pelo mercantilismo, o que resultou num intercâmbio de força de trabalho, de produtos e, consequentemente, de elementos culturais. Na época, não havia a percepção dessa integração, mesmo porque os meios de comunicação ainda permaneciam regionais, já que o cidadão tinha acesso somente à imprensa de sua própria região.
Fernand Braudel (1996) criou a expressão “economia-mundo” para distinguir as regiões do mundo com características econômicas e comerciais diferentes e independentes. Segundo Voltaire Schilling (data não informada), a primeira dessas regiões era a Europa, sendo composta pelas cidades de Milão, Gênova, Veneza e Florença, que mantinham relacionamento comercial com o Mediterrâneo. Outra região importante seria a de Flandres, composta pelas cidades de Bruges, Antuérpia e Lille, que se relacionavam com o Mar do Norte. Havia, também, um grande eixo comercial formado por mais de duzentas cidades mercantes, dentre elas Novgorod, na Rússia e Londres, Inglaterra. A China, Indochina e Malásia tinham sua concentração econômica em Cantão e Xangai, além de outras cidades do sul do país; ligando-se economicamente à Ásia Central e ao Ocidente através da comercialização da seda. A Índia atraía os aventureiros e conquistadores pela ampla comercialização de tecidos finos e especiarias. Sua localização era privilegiada e favorecia a saída de produtos pelo Mar Vermelho e pelo Oceano Índico. O mercado africano dividia-se entre a África árabe, que mantinha relações médias com a Europa e a África negra, protegida e isolada pela floresta e pelo deserto. Portanto, devido à geografia e dificuldades de acesso, não havia intercâmbio comercial desta região com as outras partes do mundo. Finalmente, a região das civilizações pré-colombianas Azteca, Maias e Incas eram autossuficientes em relação à produção têxtil e plantação de milho, sendo que não havia comunicação entre elas e nem com as outras regiões. Estavam, como a África negra, isoladas.
Antes do século XX, portanto, as mudanças foram lentas e progressivas. A “modernidade” surgiu trazendo uma nova visão de mundo e de progresso. Embora o mundo ainda fosse bastante regido por ideais políticos, o consumismo crescia e, cada vez mais, o poder econômico e de consumo delineava os novos rumos das sociedades. Giddens (1991, p.11) descreve esse momento da seguinte forma:

O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos simplesmente o seguinte: `modernidade´ refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.


Com a queda do Socialismo e o fim da Guerra Fria, no final dos anos 1980, a globalização ganhou novo impulso, pois o sistema capitalista passou a ser predominante, tendo como polo principal de consumo os Estados Unidos. A partir daí, o papel dos Estados nesse processo foi importante, na medida em que os acordos de abertura para a entrada de novas tecnologias nos países, que proporcionassem a seus cidadãos o rápido intercâmbio de informações, foram estabelecidos através de acertos políticos e financeiros. Nesse sentido, Castells (2000, p.31) afirma que:

O que deve ser guardado para o entendimento da relação entre a tecnologia e a sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza as forças sociais dominantes em um espaço e uma época determinados.


Iniciou-se uma nova era, no que diz respeito à reorganização geopolítica do mundo, antes designada pela ideologia política e que passou a ser norteada pelos interesses comerciais. Houve uma profunda mudança em relação ao mercado de trabalho e os países com baixo índice de qualificação profissional passaram a despertar o interesse de grandes empresas, pois o valor da mão de obra em tais regiões era mais baixo, o que diminuía consideravelmente o custo final da produção. Formaram-se os blocos comerciais e as empresas multinacionais expandiram-se em busca de consumidores fora de suas fronteiras, pois seus mercados de origem já se encontravam saturados. Nesse contexto, o papel dos Estados tem sofrido mudanças com a perda de seu poder vertical, pois a mídia eletrônica e a internet passaram a levar as informações para todos os cantos do planeta e a propiciar aos povos uma articulação que antes não era possível. A humanidade evoluiu da célula familiar para tribos, cidades, estados e nações, até chegar ao intercâmbio e interdependência atual entre todos os povos do planeta. Antonio Negri (2006, p.11), afirma que: “É fato que, em sintonia com o processo de globalização, a soberania de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem gradualmente diminuído”.
O movimento denominado Globalização provocou grandes mudanças sociais, culturais e, principalmente, na forma de consumo dos cidadãos de todo o mundo. Braudel (apud Benayon, 2005, p. 115) delineia três dimensões no cenário do poder econômico, sendo eles:

1) A civilização material, que abrange as formas de subsistência fora do sistema de trocas do mercado, embora possam ter alguma interação com ele;
2) A economia de mercado, na qual o sistema de trocas se desenvolve com a participação de numerosos agentes, dos dois lados – procura e oferta, e
3) O capitalismo, a camada superior em termos de poder, a qual surge da concentração.


Marshall McLuhan (1969) foi um dos primeiros sociólogos a estudar as modificações tecnológicas que levariam à globalização e criou o conceito de “aldeia global” para definir o planeta com sociedades interligadas nos aspectos econômicos, culturais, políticos e sociais. Na época, o autor indicava a televisão como principal meio tecnológico de comunicação em massa, no entanto, o conceito de aldeia pressupõe uma comunicação bidirecional entre dois ou mais indivíduos e a internet tornou-se o grande veículo de interação e intercâmbio entre os povos, consequente do avanço das telecomunicações.
Nesse sentido, a evolução das comunicações e, mais especificamente das telecomunicações, foi o fator que alavancou o processo de reestruturação do capitalismo, induzindo os Estados e as corporações a procurarem parcerias e alianças (Miége, 1999). Esses meios de comunicação em massa, portanto, levaram ao avanço cada vez maior das tecnologias e à grande atração pela utilização de aparelhos eletrônicos; elementos novos e fascinantes que passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Inicialmente, tais aparelhos provocavam fascinação pela modernidade e pelas facilidades que prometiam, mas acabaram sendo incorporados nas vidas das pessoas, tornando-se fundamentais em todas as áreas da sociedade moderna. A consequência desse movimento tecnológico foi a unificação dos padrões de consumo, pois as pessoas passaram a se relacionar com mais facilidade, trocando informações culturais, sobre formas simbólicas e os significados para os bens adquiridos.
Podemos afirmar que a cultura também se tornou veículo de produção material de consumo e que, em si, passou a ser tratada como mercadoria. A cultura industrializada expandiu-se dos Estados Unidos para o restante do mundo. A publicidade globalizada servia aos interesses do Estado, no sentido de manter o acúmulo de capital e a sua legitimidade, portanto, a cultura passou a ser um importante suporte para essa publicidade. Os produtos mostrados nas telas das produções cinematográficas, usados ou manipulados por artistas que, de certa forma, também se tornaram produtos ou veículos de propaganda, passaram a ser vistos como modelos de hábitos de consumo e de modo de vida de pessoas de todos os lugares do mundo. Segundo Canclini (2008, p.20):

Observa-se há muito tempo que a tendência para mercantilizar a produção cultural, massificar a arte e a literatura e oferecer os bens culturais com apoio de vários suportes ao mesmo tempo (por exemplo, filmes não só em cinemas, mas também na televisão e em vídeo) tira autonomia dos campos culturais. A fusão de empresas acentua essa integração multimídia e a sujeita a critérios de rentabilidade comercial que prevalecem sobre a pesquisa estética. Um dos exemplos mais citados é o grupo Time: dedicado à mídia impressa, uniu-se ao megaprodutor audiovisual Warner. Transformados, assim, nos maiores fabricantes de espetáculos e conteúdos (Time-Warner), em 2000 aliaram-se a um mega-provedor da Internet (AOL). Por outro lado, a empresa Cobis Corporation, de Bill Gates, ao comprar mais de vinte milhões de imagens fotográficas, pictóricas e de desenhos, acrescenta, a seu controle digital de edição e transmissão, a gestão exclusiva de uma enorme parte da informação visual sobre arte, política e guerras. Logo, essas corporações concentram a capacidade de selecionar e interpretar os acontecimentos históricos.


Segundo o autor, “a globalização é um processo de reordenamento da sociedade, no que diz respeito às diferenças e igualdades” (Canclini, 2008). A influência que a cultura americana exerce hoje no restante do mundo é inegável. As produções culturais, principalmente cinematográficas, promoveram ampla divulgação do modo de vida e dos hábitos estadunidenses, abrindo mercados para as grandes corporações e reforçando a influência americana em todos os países do mundo. Os consumidores criam novas identidades sociais segundo as características da economia capitalista, através de materiais simbólicos. É certo que a degradação da política gerou uma sensação de desencantamento e contribuiu para que o consumidor procurasse outras formas de participação e de identificação na sociedade. Quando um indivíduo adquire certo produto, ele está deixando claro publicamente que tem uma personalidade social, pois compartilha com outros consumidores o valor que aquele bem representa. Desta forma, o significado do consumo é bem maior do que o simples fato de se adquirir algo; mais que isso, envolve a decisão de possuí-lo - um registro de pertencimento trazendo a mensagem implícita de identificação com um grupo ou de hostilidade com os demais. Canclini (2008, p.65) refere-se à busca das empresas pela visibilidade das marcas, sobrepondo-se às características do produto em si:

As marcas são anunciadas onde as coisas não estão mais ou ali onde ainda não chegaram. Perseguem a incessante visibilidade do nome mais do que fazer com que entendamos a utilidade ou o valor do produto. Na época em que se dilui a autonomia dos campos da arte, da literatura e da ciência, as redes de significados tornam-se independentes. As logomarcas entram em competição, sem relação com os alimentos, os aviões ou a roupa que usamos. Habitamos dois mundos que trabalham para separar-se: o dos usos quotidianos dos objetos e o do espetáculo das marcas.


Os usuários de uma marca identificam-se e passam a pertencer a um grupo, já os que não usam aquela marca não se identificam com aquele grupo e, consequentemente, não são aceitos. A globalização, portanto, promoveu o intercâmbio cultural que foi ajustado ao capitalismo, no sentido de agregar valores de status ou identidades sociais aos produtos. Alguns são disputados, transformando-se em verdadeiros fenômenos da simbologia do consumo. Há os artigos de luxo, como, por exemplo, uma Ferrari vermelha – símbolo de status e de pertencimento a um seleto grupo social - , um bem com forte valor simbólico, inclusive na especificidade da cor. Juntamente com o automóvel, o consumidor adquire valores psicológicos, tais como a sensação de encontrar-se num patamar social acima dos demais, de sentir-se especial, atraente e desejado. Esse bem de consumo tornou-se, a partir de seu significado, objeto de desejo que rompeu fronteiras geográficas, de idiomas ou culturas, através da publicidade globalizada. Pode-se dizer, também, que teríamos aí um exemplo de segregação social. A reorganização atual provocada pela democratização do acesso às informações e ao consumo pode ter contribuído, por outro lado, para a segregação social baseada no que o indivíduo mostra-se capaz ou incapaz de possuir.
É certo que a relação do significado com o bem de consumo sempre esteve presente na sociedade. No entanto, a globalização provocou uma massificação, uma distensão da competitividade no sentido de que para existir profissionalmente, para inserir-se com sucesso no novo mercado de trabalho, agora predominantemente imaterial, o indivíduo deve estar conectado com os padrões mundiais de consumo. Campbell (2006, p. 11) afirma:

Quem leu qualquer monografia clássica de Antropologia, como Argonautas do Pacífico ocidental, de Malinowsky (1996), ou ainda a descrição da mania holandesa por tulipas no século XVII, descrita por Schama (1987), custa a crer que alguma sociedade, em alguma época, tenha desenvolvido uma relação estritamente funcional com o mundo material.


Há exemplos, também, no aspecto dos bens culturais. Os livros da série Harry Potter ilustram bem a simbologia do pertencimento e da força da publicidade globalizada. O lançamento de cada novo livro torna-se um espetáculo de marketing, com toda uma encenação em torno do acontecimento. No dia anunciado amplamente pela mídia de massa, há filas enormes em frente às livrarias em todo o mundo. São consumidores ansiosos, pertencentes ao grupo, existente em vários países, que se define como “adoradores de Harry Potter” e que chegam a vestir-se como os personagens. Podemos dizer que há entre esses fãs um forte sentimento de identificação e de pertencimento, independente de seu idioma e de suas raízes culturais. Numa dimensão um tanto menor, o seriado Friends, no formato de sitcom, vendeu e ainda vende seu interminável seriado para redes de TV de todo o mundo. O seriado mostra jovens de Nova York, bonitos, inteligentes, bem sucedidos e bem humorados; um retrado da sociedade moderna e, mais especificamente, do way of life americano; um modelo cobiçado e imitado por jovens, independente de sua nacionalidade, pertencentes ao grupo denominado de “descolados”.
Castells (2000, p.23) afirma que: “Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social.” O autor destaca também que, devido ao fato de haver várias regiões no mundo e diversos segmentos da população que não tiveram acesso a esse novo sistema tecnológico e de consumo, abriu-se um fosso ainda maior na desigualdade social. O consumo, segundo ele, dá origem aos conflitos de classes, devido à participação desigual na estrutura produtiva, na apropriação e na distribuição de bens.
Diante do cenário mundial exposto aqui, o Brasil, que possui um histórico de crise de crescimento, viu-se impossibilitado de se desenvolver economicamente mantendo-se à margem do crescente intercâmbio econômico mundial. Ao analisar o histórico do país, pode-se dizer que o Brasil sempre caminhou para a inserção no mundo capitalista global. Conforme afirma Lombardi (2001, p.14): “Como país colonizado no início dos tempos modernos, a história do Brasil é a longa história de sua inserção nos quadros do capitalismo mundial”. No que diz respeito ao fluxo de dinheiro, os países da América Latina, inclusive o Brasil, tiveram seu crescimento ligado ao investimento externo, tornando-se dependentes de variações das conjunturas externas e subordinando-se aos países desenvolvidos através de empréstimos. Esse quadro demonstra que a globalização, diferente do que se poderia esperar, não promove uma linearidade entre os países centrais e os subdesenvolvidos, pois “[...] apenas 28% da população mundial recebe 91,5% do investimento externo direto” (Hirst & Thompson, 1998. P. 113).
A ordem social ditada pelo capitalismo possui essas duas faces que se opõem. De um lado, uma sociedade interligada e o avanço da tecnologia que facilita e move o mercado de trabalho e a economia, como demonstram Kalakota & Robinson (2002, p.16):

[...] hoje, a indústria está mais ampla e mais saudável, graças a cinco acontecimentos principais: enormes avanços na infra-estrutura, avanços em “software”, capital abundante, um consumidor mais interessado e demandas crescentes de negócios em tempo real.


De outro lado, uma grande parte da população que não tem acesso a essas novas tecnologias e ao consumo, evidenciando de forma acentuada as desigualdades sociais e o descaso com os menos favorecidos. Guerreiro (2006, p.77), pondera que:

A Revolução Tecnológica contemporânea que consolidou a formação da cidade moderna a partir da indústria de “hardware” e “software”, que se diversifica e multiplica suas funções em muitos setores da sociedade, possibilita um progresso técnico com o mais elevado grau de inovações e invenções. O capital, resultante histórico da exploração do trabalho humano, é, por um lado, o grande responsável pelos avanços tecnológicos e científicos da cidade moderna, mas, por outro, assumiu novas formas de exploração e expropriação da força de trabalho e do meio, agravando o fenômeno da exclusão social.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreva aqui seu comentário. Participe!