AS CAPACITAÇÕES SIGNIFICATIVAS PARA O ALUNO DO SÉCULO XXI
Tânia Neves[1]
RESUMO
A educação é o esteio da
sociedade. Por meio dela preparamos nossos jovens para o futuro. Essas frases
são amplamente ditas e conhecidas, o que não tem, necessariamente, gerado
resultados contundentes para melhorar a qualidade de vida pela educação. É
evidente que precisamos entender e nos adequar às mudanças sociais,
psicológicas e comportamentais consequentes da evolução humana. A globalização
foi determinante para o novo rumo que a humanidade tomou. As tecnologias de
comunicação dominam o cotidiano, principalmente dos jovens, de modo que o
acesso à informação é amplo. Com esse advento, o papel da escola e do professor
como fonte de informações e conhecimento também sofreu profundas mudanças.
Temos visto conflitos e problemas advindos do descompasso entre as expectativas
do novo aluno do século XXI e da escola, que parece não ter acompanhado tais
mudanças no mesmo ritmo. Este artigo tem como objetivo apresentar, por meio de
pesquisa bibliográfica, posicionamentos, experimentos e conceitos de
professores, pesquisadores e autores ligados à educação, neurociência e
psicologia. À luz de tais reflexões, busca-se contribuir para que as discussões
sobre planejamento pedagógico, programas educacionais e condução em sala de
aula possam contribuir para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. Novos
paradigmas parecem ser necessários para que se possa ajudar nossos jovens a
caminhar em direção ao sucesso. A prioridade pode não ser mais as capacitações
cognitivas. Outras capacitações parecem ser mais congruentes para a educação do
aluno do século XXI.
Palavras-chave: Educação. Caráter. Cognição. Motivação.
1 INTRODUÇÃO
As mudanças ocorridas no perfil psicológico, social e comportamental dos
jovens após o século XX são contundentes, e isso se torna evidente quando nos encontramos
em uma sala de aula, diante de alunos que já nasceram num mundo imerso nas
tecnologias de comunicação.
Não se pode dizer que seja uma tarefa fácil acompanhar e se adaptar a
esses novos alunos que, não raras vezes, utilizam a tecnologia com muito mais
desenvoltura do que o professor. Parece que estamos chegando ao ponto de
saturação comunicativa; somos bombardeados com informações o tempo todo. No
entanto, essa acessibilidade à informação e à comunicação não resulta numa
interatividade conforme a conhecíamos até o século XX. As relações pessoais
sofreram transformações, o modo de interpretar o mundo também.
Tais transformações têm ocorrido numa rapidez desafiadora para os
educadores, de modo que se faz necessária a adaptação do corpo docente, da estrutura
escolar e dos paradigmas no processo ensino-aprendizagem. Segundo Parolin
(2014, s.p.), “com facilidade, ouvimos mães reclamando que seus filhos dormem
muito tarde porque não conseguem desligar seus jogos eletrônicos; que as
crianças não brincam entre si porque ficam no tablet ou no iPad, que em vez de
estudarem, passam horas em chats de bate-papo”. Por outro lado, muitos
professores também têm encontrado dificuldades para obter a atenção de seus
alunos e motivá-los a participar das atividades propostas, pois “queixam-se de
alunos desatentos, que ficam trocando mensagens durante as aulas e dormitam
entre uma e outra” (PAROLIN, 2014, s.p.).
A educação do século XXI tem como missão promover o desenvolvimento de
pessoas e sociedades com base em quatro pilares, segundo relatório da Comissão
Internacional de Estudos sobre a Educação, encaminhado para a Unesco. São eles:
Aprender a conhecer (adquirir cultura geral ampla e
domínio aprofundado de um reduzido número de assuntos, mostrando a necessidade
de educação contínua e permanente); aprender a fazer (oferecendo-se
oportunidades de desenvolvimento de competências amplas para enfrentar o mundo
do trabalho); aprender a conviver (cooperar com os outros em todas as
atividades humanas) e aprender a ser, que integra as outras três, criando-se
condições que favoreçam ao indivíduo adquirir autonomia e discernimento.[2]
O objetivo é promover a inclusão, propiciando aos jovens aprendizes base
para exercer sua cidadania, afinal, o simples fato de receber um certificado ao
final de um curso do ensino regular, técnico ou superior não garante que todos
os aspectos necessários para o desenvolvimento pessoal e intelectual daquele
jovem tenham sido estimulados em plenitude.
A questão é: que aspectos deveriam ser impulsionados, instigados e explorados para que se obtenha o melhor resultado
para o pleno desenvolvimento dos alunos?
Para se atingir os objetivos daqueles quatro pilares, faz-se necessário
compreender o perfil do aluno do século XXI, suas características, seu
comportamento, seus limites e suas expectativas. Esse deve ser o ponto de partida
para as mudanças e adequações nas práticas docentes e no cotidiano das
instituições de ensino. Muitos conflitos têm ocorrido em sala de aula, prejuízos no processo ensino-aprendizagem, além de evasão escolar por conta de
um descompasso entre as expectativas dos jovens alunos e dos professores, que
nem sempre se sentem preparados para motivá-los a participarem do
processo ensino-aprendizagem.
Tough (2014, p.18) pontua que “temos prestado atenção nas capacitações e
habilidades erradas em nossos filhos e recorrido a estratégias equivocadas para
alimentar e transmitir essas capacitações”, de modo que, segundo o autor, notas
altas não significam necessariamente sucesso na educação, há outros fatores
mais determinantes que esses.
Sternberg (2014, p.61) destaca que “chega-se ao mundo com muitas
estruturas e muitos mecanismos instalados, mas o ambiente funciona para
desenvolvê-los e para possibilitar que atinjam seu potencial”, portanto, do
ponto de vista da neurociência cognitiva, as intervenções oriundas do ambiente
podem ser o diferencial para que o aluno desvele suas melhores competências e
logre sucesso em sua caminhada.
O objetivo deste trabalho é buscar definir as principais características
do aluno do século XXI, bem como discutir conceitos e pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento humano e à educação. Valendo-se de pesquisa bibliográfica, espera-se
levantar reflexões que, à luz de diferentes autores e diferentes campos de
pesquisa, contribuam para o trabalho do docente e sirvam de apoio para o
desenvolvimento de atividades que despertem a motivação dos alunos e seu pleno
desenvolvimento.
A seguir, serão apresentados alguns conceitos e considerações a respeito
de comportamento, cognição, educação e desenvolvimento pessoal.
2 O PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL NO SÉCULO XXI
O final do século XX foi marcado por uma onda de
liberalismo bastante significativo. A queda do muro de Berlim, além do
liberalismo econômico e político sobrepujariam as prioridades sociais e de
proteção ao trabalho. Esses fatos históricos causariam uma mudança importante
nas relações de trabalho, na educação e no modo de vida em todos os países,
principalmente com a introdução das novas tecnologias no cotidiano das pessoas.
Novas e, parece, infinitas possibilidades se abriram, no que diz respeito à
comunicação e obtenção de informações. O progresso mundial ganhou impulso, no
que diz respeito à efervescência da globalização. Conforme aponta Bock (1980),
o progresso está intimamente ligado à mudança social, ao desenvolvimento e à
evolução. Pode-se ponderar, portanto, que o progresso implica mudanças
culturais e nos processos sociais, de modo que as relações humanas,
sejam familiares, profissionais ou sentimentais também sofrem transformações.
O modelo patriarcal e centralizador é substituído,
primeiramente no mundo corporativo, pela administração colaborativa, o que
passou a influenciar as relações pessoais. A forte inserção das mulheres no
mercado de trabalho também provocou mudanças nos modelos familiares e
suas relações. As novas formas de relacionamento passam a ser voltadas para um
modo mais participativo, ou seja, as decisões já não eram mais tomadas
exclusivamente pelo chefe da família. Os filhos passaram a emitir opiniões e,
cada vez mais, terem autonomia para decidirem a respeito de seu futuro. O
século XXI apresenta, portanto, um cenário de infinitas possibilidades,
escolhas, acesso a informações de toda espécie, ou seja, o mundo agora é um só.
Está tudo aí, a nosso dispor, para que se possa decidir livremente a respeito
de tudo que envolva nosso destino e nosso modo de viver. Para os jovens, essa
liberdade de escolha e de acesso leva, também, a muitas incertezas e, por que
não dizer, a uma crise de valores.
2.1 Reflexo das mudanças sociais na educação
As mudanças sociais e culturais certamente refletem na educação.
O Estado, como o conhecemos, está perdendo sua legitimidade; uma consequência
da descentralização política e dos modos de produção e organização empresarial.
Ocorre que essas mudanças têm acontecido num ritmo muito rápido, e o sistema
educacional tem seu próprio tempo. Toda mudança vislumbrada na área da educação
é complexa, pois envolve o futuro de gerações e consequências para a toda a
sociedade. No entanto, as transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas
no século XXI exigem uma adequação no sistema educacional e levantam algumas
questões a serem discutidas. Segundo Imbérnon (2000), existe uma crise escolar,
e ela se dá por alguns fatores:
·
A escola não forma para o trabalho: existe um forte discurso social que considera que os
objetivos da escola fracassaram, já que ela não forma para o acesso ao mercado
de trabalho. Esse discurso, em parte, é falacioso, pois tanto quantitativa como
qualitativamente está demonstrado que a posse de títulos e estudos são chaves
para alguém não ser excluído do mercado de trabalho. Por outro lado, a escola,
prospectivamente, não pode prever quais serão as ocupações que as pessoas
realizarão, uma vez que, continuamente, estão sendo geradas novas profissões,
além de já não termos uma única ocupação ao longo de nossa vida profissional.
·
O fracasso e o abandono escolares: os índices do fracasso escolar aumentaram na última
década. Esse é um dos principais motivos que levaram à deslegitimação da
escola, culpando os meninos e as meninas, as famílias, o meio, o sistema etc. Embora
esses discursos estejam profundamente arraigados, finalmente se está analisando
que papel tais personagens desempenham na escola e em que contribuem para o
fracasso.
·
O fracasso das formas educativas: o debate sobre a LOGSE (Lei de Ordenamento Geral do
Sistema Educacional Espanhol) está sendo centrado em se foi baixado ou não o
nível; ninguém, nem sequer os que planejaram a reforma diz que o tenha
aumentado e menos ainda que o tenha feito suficientemente para enfrentar os
desafios da sociedade informacional. Quem dá essa desculpa deveria dizer-nos
onde as orientações da reforma deram resultado e se contribuíram para superar o
fracasso escolar, aumentando a aprendizagem dos setores mais desfavorecidos. (IMBÉRNON,
2000, p.28).
Os fatores apontados por Imberón como indicativos da crise escolar têm
sido amplamente discutidos. Essa discussão é fundamental para que se proponham
mudanças e adequações, de modo a otimizar o aproveitamento dos docentes e
contribuir efetivamente para que a escola desempenhe seu papel no
desenvolvimento dos jovens. No entanto, qual seria, de fato, o papel da escola?
Que aspectos humanos a escola deve ou deveria buscar desenvolver para preparar
os jovens para o sucesso? Paul Singer (1996) comenta:
Educar seria primordialmente isto: instruir e
desenvolver faculdades que habilitem o educando a integrar o mercado de
trabalho o mais vantajosamente possível. Cumpre atentar para o pressuposto
crucial dessa visão: o de que a vantagem individual, que se traduz em ganho
elevado e outras condições favoráveis de usufruto material, é simultaneamente
social. (SINGER, 1996, p.6).
Essa definição sobre o que seria educar nos leva à reflexão sobre o
papel da escola na inclusão social. O fator “globalização” provocou uma
verdadeira revolução na passagem do século XX para o XXI. Fox (2004, p. 47-48),
citando Chomsky, pondera que “sean cuales
sean los sueños que la gente tenga acerca del progreso y acerca de como
construir un mundo mejor, la globalización econômica parece destinada a seguir
produciendo una cresciente brecha entre ricos y pobres[3]
[...]”. Esse tema tem sido alvo dos programas educativos, que visam diminuir
essa brecha e preparar jovens (principalmente os excluídos) para conseguirem
inserção no mercado de trabalho, exercerem a cidadania e terem seus direitos a
uma vida digna preservados. No entanto, o plano de levar a educação aos
excluídos parece não apresentar os resultados esperados. Singer (1996) comenta:
A abertura das portas da escola à massa dos menos
afortunados não produziu os efeitos esperados e desejados, ou seja, o
encaminhamento daqueles a melhores oportunidades de inserção econômica,
política e social. Em vez de a escola elevar os filhos dos marginalizados,
foram aparentemente estes que degradaram a escola ao multiplicar as repetências
e a evasão, ao introduzir nas salas de aula seu cotidiano de violência e
alienação. (SINGER, 1996, p. 12)
Se Chomsky estiver correto em afirmar que há uma brecha cada vez maior
entre ricos e pobres, pode-se dizer que a educação não está logrando sucesso em
servir de ponte que conduza os menos favorecidos àquele lugar na sociedade onde
se possa sentir a realização de contribuir de modo produtivo para o progresso
da comunidade, constituir uma vida digna e usufruir de sua cidadania.
Consideremos o questionamento de Singer, quando coloca:
Que tipo de pessoa nossas escolas estão formando e
para que tipo de sociedade? Se a democracia é uma conquista irreversível — e
quero crer que é —, qual é o modelo de cidadão consciente que inspira nosso
ensino? Será que os nossos currículos correspondem adequadamente ao desejo
natural de aprender dos jovens, motivando-os a participar ativamente do
processo educativo? (SINGER, 1996, p. 12)
Esse questionamento nos leva à seguinte reflexão: é a educação que molda
os cidadãos ou são os cidadãos que determinam o modelo de educação a ser
adotado? Podemos considerar a possibilidade de que é o cidadão que
determina o modelo da educação se admitirmos que os programas educativos
determinados de modo unilateral, sem se levar em consideração as peculiaridades
dos aprendizes, não têm levado ao sucesso. É o que nos revelam as pesquisas
relativas à evasão escolar, violência nas escolas e analfabetismo funcional. Os
profissionais envolvidos na educação e no processo ensino-aprendizagem, por
mais que recebam cursos de capacitação, parecem ainda se sentir perdidos e
frustrados com o baixo rendimento dos alunos, desinteresse e evasão escolar.
Desse modo, pode-se afirmar que conhecer o perfil deste novo aluno do
século XXI, seus anseios, suas expectativas, seus problemas e conquistas é
requisito fundamental para o ajustamento do currículo, do programa de ensino e
da administração escolar.
Veremos, a seguir, algumas considerações a respeito das características
desse novo aluno e futuro cidadão do século XXI. Tentaremos contribuir para a
reflexão sobre os aspectos sociais e psicológicos que formam o jovem atual e
que devem ser considerados na forma de pensar a educação e o sistema de
ensino-aprendizagem, de modo a motivar e estimular os alunos a participarem do
processo.
3 O PERFIL DO ALUNO DO SÉCULO XXI
A despeito das teorias pedagógicas, o aluno atual não se
enquadra mais no formato pré-determinado dos modelos educacionais praticados
até hoje. Até o século passado, era a escola quem moldava o sujeito, no
entanto, essa concepção de educação parece não mais se adequar e não produzir
resultados satisfatórios.
Os alunos do século XXI nasceram num mundo dominado pelas
novas tecnologias. Deste modo, ele não aceita mais a escola como um centro de
informações, ele quer estar em um espaço de diálogo, onde ele possa se
expressar e mais, onde ele possa ser surpreendido. Sim, pois informação ele tem
à sua disposição, então, o papel do professor é possibilitar experiências
novas, que levem esse aluno a novas reflexões.
Segundo Caio Barreto et al.:
A entrada das novas
tecnologias digitais na sala de aula criou um paradigma na educação: como tais
ferramentas, que os alunos, não raro, já dominam, podem ser aproveitadas por
professores que, frequentemente, mal as conhecem? As escolas têm, pela frente,
um desafio e uma oportunidade. O desafio: formular um projeto pedagógico que
contemple as inovações tecnológicas e promova a interatividade dos alunos. A
oportunidade: deixar para trás um modelo de ensino que se tornou obsoleto no
século XXI. (BARRETO et al., 2009, s.p.)
A tecnologia é já inerente à vida do jovem, ou seja, não há
como ignorá-la ou considerá-la algo não desejável em sala de aula. As escolas
que ainda resistem ao uso de tecnologia em sala de aula passam a ter uma
relação autoritária com os alunos. Segundo Parolin (2014, s.p.), o desafio da
escola de hoje é promover uma aprendizagem que humanize e promova a inserção
social. Para isso, é preciso compreender algumas características dessa geração,
que é:
[...] conectada, mas impaciente; hiperativa, com
atenção limitada a pequenos intervalos de tempo; que não pensa em linearidade,
mas em descontinuidade; que tende às multitarefas; que desrespeita seus
educadores e se identifica com ícones midiáticos; que vive no senso de urgência
(que tem pressa), aliada ao fato de usarem as novas tecnologias com melhor
desenvoltura que seus educadores, mas que precisa de ajuda para focar no
aprender. (PAROLIN, 2014, s.p.)
De acordo com a autora, esse é o perfil
do jovem atual, aquele que ocupa as salas de aula e que deseja ser motivado e
surpreendido, de modo a ter um motivo real para participar das atividades
propostas em aula. Encontrar a fórmula para essa motivação e conseguir, de
fato, desenvolver as competências e habilidades de nossos jovens é, certamente,
um objetivo fortemente almejado pelos professores, diretores, pedagogos e
demais profissionais envolvidos com a educação.
Como ponto de partida nessa busca em
obter resultados satisfatórios na educação, abordaremos, a seguir, a questão do
novo papel da escola e como motivar o aluno atual. Deste modo, espera-se
contribuir para uma discussão mais produtiva, que leve à promoção de uma
educação que se identifique com a realidade atual e que tenha uma função efetiva na melhoria de qualidade de vida dos estudantes.
3.1 Que habilidades são realmente
importantes para o desenvolvimento dos alunos atuais?
A finalidade do sistema de ensino é, certamente, levar o aluno
ao sucesso. No entanto, parece necessário repensar quais as capacitações são
realmente importantes para que se atinja essa finalidade. Até o momento, a
capacidade cognitiva, as habilidades matemáticas e linguísticas têm sido
consideradas a base do sucesso. A inteligência basta para garantir que o aluno
seja considerado promissor e levantar expectativas de triunfo no futuro?
No final da década de 1990, James Heckman, professor de
economia da Universidade de Chicago, passou a supervisionar grupos de pesquisa
e a empreender um programa denominado Desenvolvimento Educativo Geral (DEG), no
qual o estudante que, por meio de testes, comprovasse conhecimento e
inteligência necessários, era dispensado de seguir os estudos no Ensino Médio e
receberia o certificado. Ocorre que, embora nos testes de desempenho aqueles
que haviam recebido o GED demonstrassem ter inteligência similar aos que haviam
concluído o Ensino Médio, quando se verificou a trajetória de ambos os grupos
no Ensino Superior, apenas 3% daqueles que tinham o GED se matricularam ou
concluíram a faculdade, enquanto 46% dos que efetivamente cursaram o Ensino
Médio cursavam ou já tinham concluído o Ensino Superior.
Segundo Tough (2014):
O que estava faltando nesta equação, concluiu Heckman,
eram os traços psicológicos que haviam permitido aos indivíduos de Ensino Médio
completo terminar os estudos. Esses traços – tendência a persistir em tarefas
tediosas e muitas vezes sem recompensa aparente; capacidade de adiar a
gratificação; tendência a seguir um plano – também se revelavam valiosos na
universidade, no trabalho e na vida de maneira geral. (TOUHG, 2014, p.21-22)
Um estudo coordenado
pelo Dr. Bruce Perry, um dos mais importantes neurocientistas do mundo,
acompanhou um grupo de alunos desde a pré-escola até a idade adulta. A ideia
era verificar se crianças, filhas de pais com baixa renda, ao frequentar a
Perry Preschool e obter acompanhamento escolar, tinham seu QI desenvolvido, em
relação a um grupo de controle que não tinha acompanhamento escolar. Nesse
estudo, verificou-se que, após o terceiro ano de ensino, o QI dessas crianças
não era melhor do que as do grupo de controle.
O professor James
Heckman decidiu fazer um novo estudo utilizando os dados dos alunos da Perry
Preschool e chegou a algumas conclusões importantes. Segundo Heckman (2013):
Embora não produzindo ganhos de longo prazo no QI, o
programa Perry efetivamente gerou melhorias duradouras no caráter, reduzindo
substancialmente comportamentos agressivos, antissociais e de desobediência às
regras, o que consequentemente melhorou uma série de resultados no mercado de
trabalho e em comportamentos em relação à saúde, assim como reduziu a atividade
criminosa. (HECKMAN, 2013, s.p)
Ainda segundo o autor:
[...] o caráter pode ser moldado de uma forma melhor
por meio de uma educação de qualidade na primeira infância, desde o nascimento
até os cinco anos de idade, que deve ser posteriormente reforçada na
adolescência e no início da fase adulta. Os formuladores de políticas,
educadores e ativistas sociais e econômicos agiriam de forma sensata se
adotassem as seguintes medidas: • Investir em programas de qualidade de
educação para a primeira infância, para crianças de 0 a 5 anos de idade. •
Certificar-se de que os programas de educação para a primeira infância abranjam
o desenvolvimento cognitivo e do caráter. • Levar em conta o caráter e seus
efeitos sobre o aproveitamento escolar e os resultados práticos na idade adulta
ao avaliar os programas de educação para a primeira infância. • Desenvolver
instrumentos de medida eficazes para o caráter e utilizá-los com o mesmo rigor
atualmente aplicado para testar as habilidades cognitivas. • Colocar uma ênfase
maior no desenvolvimento do caráter ao longo do ensino fundamental e médio, com
um forte reforço durante os anos da adolescência. (HECKMAN, 2013, s.p.)
A formação do
caráter pode ser considerada, então, a base da motivação e da possibilidade de
sucesso dos jovens aprendizes, visto que a informação por si só perdeu seu protagonismo no processo de educação. Os alunos da escola KIPP
Academy de Nova Iorque, por exemplo, eram informados desde o primeiro dia de
aula sobre a importância de cursar uma faculdade. Os professores decoravam a
sala e os corredores com flâmulas das Universidades onde se formaram e um
grande cartaz foi fixado na escada, dizendo “GALGAR A MONTANHA ATÉ A
FACULDADE”. O que se denominou “pontos fortes do caráter” foi ensinado de
maneira explícita, com mensagens espalhadas pela escola, tais como: “Seja
gentil”; “Não existem atalhos” e “Trabalhe com afinco”.
As
capacitações ligadas ao caráter podem ser aprendidas, mas uma forma eficiente
de ensiná-las é mostrar por que elas são importantes. O aluno precisa saber o
resultado prático, as vantagens de se lapidar o caráter.
No Brasil, os
altos índices de criminalidade entre jovens, a violência nas escolas, a evasão
escolar e o baixo índice de aproveitamento são claros sinais de que é preciso
mudar o modo de se educar. Sem princípios e valores estabelecidos, boas notas
em disciplinas como matemática, geografia ou história, por exemplo, não parecem
ter grande significado para a vida dos alunos e futuros cidadãos.
2
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O sistema de ensino atual, que exige que
o aluno se adeque a ele, tem se mostrado ineficiente. Não se pode considerar o
ambiente escolar como um local à parte do que acontece na sociedade. As
famílias mudaram, a sociedade mudou, a escola também precisa mudar.
A escola é um espaço de convivência dos jovens, é um local
onde eles se encontram, trocam experiências e se relacionam. Ela pode e deve
ser, portanto, um lugar de possibilidades, de crescimento, de experiências e
onde o jovem possa ter voz. Para isso, é importante que a escola conheça esse
jovem. Ele não é mais o mesmo do século passado, ele mudou e essa mudança
parece não ter sido considerada ou percebida no sistema escolar.
Esse aluno multitarefas do século XXI,
segundo os autores citados aqui, não mais se adequa ao antigo modelo
educacional. Talvez seja preciso olhar melhor para suas necessidades e
expectativas, pois, conforme afirma Imbérnon, realmente não é possível prever
que atividades profissionais serão demandadas pelo mercado no futuro, nessa
época de mudanças rápidas. Além disso, responsabilizar os jovens, suas famílias
ou o sistema de governo pelas dificuldades em alcançar sucesso na educação é
inútil.
Todos sabemos dos problemas enfrentados
pela sociedade brasileira, que parece perplexa diante de novos modelos de
comportamento, do aumento exponencial da criminalidade e da desmotivação dos
jovens em buscar o sucesso. A escola tem sofrido as consequências dessas
mudanças, de diversas formas. Professores frustrados e amedrontados, alunos sem
perspectivas e pais ausentes ou confusos em relação ao seu papel na vida
escolar.
Esse cenário indica fortemente que
mudanças precisam ser feitas. A concepção de escola que produzia conhecimento,
passava informações e impunha um modelo pronto para que seus alunos fossem
inseridos num mercado de trabalho já determinado não existe mais. O mercado
também tem mudado com frequência, muitas profissões se tornam obsoletas ou
pouco interessantes, quando outras são criadas. Cada vez mais, características
comportamentais e de atitude são valorizadas e consideradas importantes para o
sucesso profissional. Afinal, informações estão disponíveis a todos. O aluno
atual não vê motivo para estar por horas em uma sala de aula, recebendo
informações que pode rapidamente obter na web. A escola precisa oferecer algo
mais. Há uma lacuna, no que diz respeito às capacitações de caráter, que são o
que realmente importa na atualidade.
O aluno que tem a oportunidade de
desenvolver capacitações como responsabilidade, comprometimento, determinação,
disciplina e identidade certamente estará mais preparado para exercer qualquer
profissão. Este trabalho buscou apresentar estudos voltados para essa
perspectiva e apontar dialogicamente possibilidades que contribuam para promover
uma educação eficaz e voltada para o desenvolvimento pleno do cidadão e da
sociedade.
REFERÊNCIAS
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in T. Bottomore e R. Nisbet (orgs.). História
da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 176-189.
FARIA, Josimerci Ittavo Lamana;
CASAGRANDE, Lisete Diniz Ribas. A educação para o século XXI e a formação do
professor reflexivo na enfermagem. Revista
Latino-americana de Enfermagem. Ribeirão Preto: USP, setembro-outubro/2004.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v12n5/v12n5a17.pdf.
Acesso em: 24/08/2015.
FOX, Jeremy. Chomsky y la globalización. Barcelona: Gedisa,
2004.
HECKMAN, James; PINTO, Rodrigo; SAVELYEV, Peter. Understanding the mechanisms through which an influential early
childhood program boosted adult outcomes. American Economic Review 2013.
IMBÉRNON, Francisco. A
educação no século XXI – desafios de um futuro imediato. Porto Alegre: Artmed,
2000.
PAROLIN, Isabel. Aprendizagem
em tempos de web. Disponível em: http://www2.escolainterativa.com.br/canais/20_encontros_tem/encontros/2014/anexos/texto_isabel_parolin.pdf.
Acesso em: 25/08/2015.
TOUGH, Paul. Uma
questão de caráter: por que a curiosidade e a determinação podem ser mais
importantes que a inteligência para uma educação de sucesso. Trad. Clóvis
Marques. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
[1] Mestre em Neuropsicologia Cognitiva e Inteligências Múltiplas pela Universidad Camilo Jose Cela (Espanha). Especialista
em Psicopedagogia pelo Instituto Superior Tupy – UNISOCIESC. Graduada em Letras pela Univali (Santa Catarina). Membro do corpo editorial da revista Caminho Aberto do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Docente de Comunicação Oral e Escrita e Metodologia Científica do Centro Tecnológico do Senai Florianópolis (CTAI). E-mail: tania@cursostanianeves.com.br
[3] “sejam
quais sejam os sonhos que as pessoas tenham acerca do progresso e acerca de
como construir um mundo melhor, a globalização econômica parece destinada a
seguir produzindo uma crescente brecha entre ricos e pobres” (Tradução da
autora).