terça-feira, 29 de agosto de 2017

 AS CAPACITAÇÕES SIGNIFICATIVAS PARA O ALUNO DO SÉCULO XXI


Tânia Neves[1]




RESUMO



A educação é o esteio da sociedade. Por meio dela preparamos nossos jovens para o futuro. Essas frases são amplamente ditas e conhecidas, o que não tem, necessariamente, gerado resultados contundentes para melhorar a qualidade de vida pela educação. É evidente que precisamos entender e nos adequar às mudanças sociais, psicológicas e comportamentais consequentes da evolução humana. A globalização foi determinante para o novo rumo que a humanidade tomou. As tecnologias de comunicação dominam o cotidiano, principalmente dos jovens, de modo que o acesso à informação é amplo. Com esse advento, o papel da escola e do professor como fonte de informações e conhecimento também sofreu profundas mudanças. Temos visto conflitos e problemas advindos do descompasso entre as expectativas do novo aluno do século XXI e da escola, que parece não ter acompanhado tais mudanças no mesmo ritmo. Este artigo tem como objetivo apresentar, por meio de pesquisa bibliográfica, posicionamentos, experimentos e conceitos de professores, pesquisadores e autores ligados à educação, neurociência e psicologia. À luz de tais reflexões, busca-se contribuir para que as discussões sobre planejamento pedagógico, programas educacionais e condução em sala de aula possam contribuir para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. Novos paradigmas parecem ser necessários para que se possa ajudar nossos jovens a caminhar em direção ao sucesso. A prioridade pode não ser mais as capacitações cognitivas. Outras capacitações parecem ser mais congruentes para a educação do aluno do século XXI.


Palavras-chave: Educação. Caráter. Cognição. Motivação.  



1 INTRODUÇÃO

As mudanças ocorridas no perfil psicológico, social e comportamental dos jovens após o século XX são contundentes, e isso se torna evidente quando nos encontramos em uma sala de aula, diante de alunos que já nasceram num mundo imerso nas tecnologias de comunicação.
Não se pode dizer que seja uma tarefa fácil acompanhar e se adaptar a esses novos alunos que, não raras vezes, utilizam a tecnologia com muito mais desenvoltura do que o professor. Parece que estamos chegando ao ponto de saturação comunicativa; somos bombardeados com informações o tempo todo. No entanto, essa acessibilidade à informação e à comunicação não resulta numa interatividade conforme a conhecíamos até o século XX. As relações pessoais sofreram transformações, o modo de interpretar o mundo também.
Tais transformações têm ocorrido numa rapidez desafiadora para os educadores, de modo que se faz necessária a adaptação do corpo docente, da estrutura escolar e dos paradigmas no processo ensino-aprendizagem. Segundo Parolin (2014, s.p.), “com facilidade, ouvimos mães reclamando que seus filhos dormem muito tarde porque não conseguem desligar seus jogos eletrônicos; que as crianças não brincam entre si porque ficam no tablet ou no iPad, que em vez de estudarem, passam horas em chats de bate-papo”. Por outro lado, muitos professores também têm encontrado dificuldades para obter a atenção de seus alunos e motivá-los a participar das atividades propostas, pois “queixam-se de alunos desatentos, que ficam trocando mensagens durante as aulas e dormitam entre uma e outra” (PAROLIN, 2014, s.p.).
A educação do século XXI tem como missão promover o desenvolvimento de pessoas e sociedades com base em quatro pilares, segundo relatório da Comissão Internacional de Estudos sobre a Educação, encaminhado para a Unesco. São eles:


Aprender a conhecer (adquirir cultura geral ampla e domínio aprofundado de um reduzido número de assuntos, mostrando a necessidade de educação contínua e permanente); aprender a fazer (oferecendo-se oportunidades de desenvolvimento de competências amplas para enfrentar o mundo do trabalho); aprender a conviver (cooperar com os outros em todas as atividades humanas) e aprender a ser, que integra as outras três, criando-se condições que favoreçam ao indivíduo adquirir autonomia e discernimento.[2]


O objetivo é promover a inclusão, propiciando aos jovens aprendizes base para exercer sua cidadania, afinal, o simples fato de receber um certificado ao final de um curso do ensino regular, técnico ou superior não garante que todos os aspectos necessários para o desenvolvimento pessoal e intelectual daquele jovem tenham sido estimulados em plenitude.
A questão é: que aspectos deveriam ser impulsionados, instigados e explorados para que se obtenha o melhor resultado para o pleno desenvolvimento dos alunos?  Para se atingir os objetivos daqueles quatro pilares, faz-se necessário compreender o perfil do aluno do século XXI, suas características, seu comportamento, seus limites e suas expectativas. Esse deve ser o ponto de partida para as mudanças e adequações nas práticas docentes e no cotidiano das instituições de ensino. Muitos conflitos têm ocorrido em sala de aula, prejuízos no processo ensino-aprendizagem, além de evasão escolar por conta de um descompasso entre as expectativas dos jovens alunos e dos professores, que nem sempre se sentem preparados para motivá-los a participarem do processo ensino-aprendizagem.
Tough (2014, p.18) pontua que “temos prestado atenção nas capacitações e habilidades erradas em nossos filhos e recorrido a estratégias equivocadas para alimentar e transmitir essas capacitações”, de modo que, segundo o autor, notas altas não significam necessariamente sucesso na educação, há outros fatores mais determinantes que esses.
Sternberg (2014, p.61) destaca que “chega-se ao mundo com muitas estruturas e muitos mecanismos instalados, mas o ambiente funciona para desenvolvê-los e para possibilitar que atinjam seu potencial”, portanto, do ponto de vista da neurociência cognitiva, as intervenções oriundas do ambiente podem ser o diferencial para que o aluno desvele suas melhores competências e logre sucesso em sua caminhada.
O objetivo deste trabalho é buscar definir as principais características do aluno do século XXI, bem como discutir conceitos e pesquisas relacionadas ao desenvolvimento humano e à educação. Valendo-se de pesquisa bibliográfica, espera-se levantar reflexões que, à luz de diferentes autores e diferentes campos de pesquisa, contribuam para o trabalho do docente e sirvam de apoio para o desenvolvimento de atividades que despertem a motivação dos alunos e seu pleno desenvolvimento.
A seguir, serão apresentados alguns conceitos e considerações a respeito de comportamento, cognição, educação e desenvolvimento pessoal.


2 O PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL NO SÉCULO XXI


O final do século XX foi marcado por uma onda de liberalismo bastante significativo. A queda do muro de Berlim, além do liberalismo econômico e político sobrepujariam as prioridades sociais e de proteção ao trabalho. Esses fatos históricos causariam uma mudança importante nas relações de trabalho, na educação e no modo de vida em todos os países, principalmente com a introdução das novas tecnologias no cotidiano das pessoas. Novas e, parece, infinitas possibilidades se abriram, no que diz respeito à comunicação e obtenção de informações. O progresso mundial ganhou impulso, no que diz respeito à efervescência da globalização. Conforme aponta Bock (1980), o progresso está intimamente ligado à mudança social, ao desenvolvimento e à evolução. Pode-se ponderar, portanto, que o progresso implica mudanças culturais e nos processos sociais, de modo que as relações humanas, sejam familiares, profissionais ou sentimentais também sofrem transformações.
O modelo patriarcal e centralizador é substituído, primeiramente no mundo corporativo, pela administração colaborativa, o que passou a influenciar as relações pessoais. A forte inserção das mulheres no mercado de trabalho também provocou mudanças nos modelos familiares e suas relações. As novas formas de relacionamento passam a ser voltadas para um modo mais participativo, ou seja, as decisões já não eram mais tomadas exclusivamente pelo chefe da família. Os filhos passaram a emitir opiniões e, cada vez mais, terem autonomia para decidirem a respeito de seu futuro. O século XXI apresenta, portanto, um cenário de infinitas possibilidades, escolhas, acesso a informações de toda espécie, ou seja, o mundo agora é um só. Está tudo aí, a nosso dispor, para que se possa decidir livremente a respeito de tudo que envolva nosso destino e nosso modo de viver. Para os jovens, essa liberdade de escolha e de acesso leva, também, a muitas incertezas e, por que não dizer, a uma crise de valores.

2.1 Reflexo das mudanças sociais na educação                           

As mudanças sociais e culturais certamente refletem na educação. O Estado, como o conhecemos, está perdendo sua legitimidade; uma consequência da descentralização política e dos modos de produção e organização empresarial. Ocorre que essas mudanças têm acontecido num ritmo muito rápido, e o sistema educacional tem seu próprio tempo. Toda mudança vislumbrada na área da educação é complexa, pois envolve o futuro de gerações e consequências para a toda a sociedade. No entanto, as transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas no século XXI exigem uma adequação no sistema educacional e levantam algumas questões a serem discutidas. Segundo Imbérnon (2000), existe uma crise escolar, e ela se dá por alguns fatores:

·         A escola não forma para o trabalho: existe um forte discurso social que considera que os objetivos da escola fracassaram, já que ela não forma para o acesso ao mercado de trabalho. Esse discurso, em parte, é falacioso, pois tanto quantitativa como qualitativamente está demonstrado que a posse de títulos e estudos são chaves para alguém não ser excluído do mercado de trabalho. Por outro lado, a escola, prospectivamente, não pode prever quais serão as ocupações que as pessoas realizarão, uma vez que, continuamente, estão sendo geradas novas profissões, além de já não termos uma única ocupação ao longo de nossa vida profissional.
·         O fracasso e o abandono escolares: os índices do fracasso escolar aumentaram na última década. Esse é um dos principais motivos que levaram à deslegitimação da escola, culpando os meninos e as meninas, as famílias, o meio, o sistema etc. Embora esses discursos estejam profundamente arraigados, finalmente se está analisando que papel tais personagens desempenham na escola e em que contribuem para o fracasso.
·         O fracasso das formas educativas: o debate sobre a LOGSE (Lei de Ordenamento Geral do Sistema Educacional Espanhol) está sendo centrado em se foi baixado ou não o nível; ninguém, nem sequer os que planejaram a reforma diz que o tenha aumentado e menos ainda que o tenha feito suficientemente para enfrentar os desafios da sociedade informacional. Quem dá essa desculpa deveria dizer-nos onde as orientações da reforma deram resultado e se contribuíram para superar o fracasso escolar, aumentando a aprendizagem dos setores mais desfavorecidos. (IMBÉRNON, 2000, p.28).

Os fatores apontados por Imberón como indicativos da crise escolar têm sido amplamente discutidos. Essa discussão é fundamental para que se proponham mudanças e adequações, de modo a otimizar o aproveitamento dos docentes e contribuir efetivamente para que a escola desempenhe seu papel no desenvolvimento dos jovens. No entanto, qual seria, de fato, o papel da escola? Que aspectos humanos a escola deve ou deveria buscar desenvolver para preparar os jovens para o sucesso? Paul Singer (1996) comenta:

Educar seria primordialmente isto: instruir e desenvolver faculdades que habilitem o educando a integrar o mercado de trabalho o mais vantajosamente possível. Cumpre atentar para o pressuposto crucial dessa visão: o de que a vantagem individual, que se traduz em ganho elevado e outras condições favoráveis de usufruto material, é simultaneamente social.   (SINGER, 1996, p.6).

Essa definição sobre o que seria educar nos leva à reflexão sobre o papel da escola na inclusão social. O fator “globalização” provocou uma verdadeira revolução na passagem do século XX para o XXI. Fox (2004, p. 47-48), citando Chomsky, pondera que “sean cuales sean los sueños que la gente tenga acerca del progreso y acerca de como construir un mundo mejor, la globalización econômica parece destinada a seguir produciendo una cresciente brecha entre ricos y pobres[3] [...]”. Esse tema tem sido alvo dos programas educativos, que visam diminuir essa brecha e preparar jovens (principalmente os excluídos) para conseguirem inserção no mercado de trabalho, exercerem a cidadania e terem seus direitos a uma vida digna preservados. No entanto, o plano de levar a educação aos excluídos parece não apresentar os resultados esperados. Singer (1996) comenta:

A abertura das portas da escola à massa dos menos afortunados não produziu os efeitos esperados e desejados, ou seja, o encaminhamento daqueles a melhores oportunidades de inserção econômica, política e social. Em vez de a escola elevar os filhos dos marginalizados, foram aparentemente estes que degradaram a escola ao multiplicar as repetências e a evasão, ao introduzir nas salas de aula seu cotidiano de violência e alienação. (SINGER, 1996, p. 12)

Se Chomsky estiver correto em afirmar que há uma brecha cada vez maior entre ricos e pobres, pode-se dizer que a educação não está logrando sucesso em servir de ponte que conduza os menos favorecidos àquele lugar na sociedade onde se possa sentir a realização de contribuir de modo produtivo para o progresso da comunidade, constituir uma vida digna e usufruir de sua cidadania. Consideremos o questionamento de Singer, quando coloca:

Que tipo de pessoa nossas escolas estão formando e para que tipo de sociedade? Se a democracia é uma conquista irreversível — e quero crer que é —, qual é o modelo de cidadão consciente que inspira nosso ensino? Será que os nossos currículos correspondem adequadamente ao desejo natural de aprender dos jovens, motivando-os a participar ativamente do processo educativo? (SINGER, 1996, p. 12)


Esse questionamento nos leva à seguinte reflexão: é a educação que molda os cidadãos ou são os cidadãos que determinam o modelo de educação a ser adotado? Podemos considerar a possibilidade de que é o cidadão que determina o modelo da educação se admitirmos que os programas educativos determinados de modo unilateral, sem se levar em consideração as peculiaridades dos aprendizes, não têm levado ao sucesso. É o que nos revelam as pesquisas relativas à evasão escolar, violência nas escolas e analfabetismo funcional. Os profissionais envolvidos na educação e no processo ensino-aprendizagem, por mais que recebam cursos de capacitação, parecem ainda se sentir perdidos e frustrados com o baixo rendimento dos alunos, desinteresse e evasão escolar.
Desse modo, pode-se afirmar que conhecer o perfil deste novo aluno do século XXI, seus anseios, suas expectativas, seus problemas e conquistas é requisito fundamental para o ajustamento do currículo, do programa de ensino e da administração escolar.
Veremos, a seguir, algumas considerações a respeito das características desse novo aluno e futuro cidadão do século XXI. Tentaremos contribuir para a reflexão sobre os aspectos sociais e psicológicos que formam o jovem atual e que devem ser considerados na forma de pensar a educação e o sistema de ensino-aprendizagem, de modo a motivar e estimular os alunos a participarem do processo.


3 O PERFIL DO ALUNO DO SÉCULO XXI


       A despeito das teorias pedagógicas, o aluno atual não se enquadra mais no formato pré-determinado dos modelos educacionais praticados até hoje. Até o século passado, era a escola quem moldava o sujeito, no entanto, essa concepção de educação parece não mais se adequar e não produzir resultados satisfatórios.
       Os alunos do século XXI nasceram num mundo dominado pelas novas tecnologias. Deste modo, ele não aceita mais a escola como um centro de informações, ele quer estar em um espaço de diálogo, onde ele possa se expressar e mais, onde ele possa ser surpreendido. Sim, pois informação ele tem à sua disposição, então, o papel do professor é possibilitar experiências novas, que levem esse aluno a novas reflexões.
       Segundo Caio Barreto et al.:

A entrada das novas tecnologias digitais na sala de aula criou um paradigma na educação: como tais ferramentas, que os alunos, não raro, já dominam, podem ser aproveitadas por professores que, frequentemente, mal as conhecem? As escolas têm, pela frente, um desafio e uma oportunidade. O desafio: formular um projeto pedagógico que contemple as inovações tecnológicas e promova a interatividade dos alunos. A oportunidade: deixar para trás um modelo de ensino que se tornou obsoleto no século XXI. (BARRETO et al., 2009, s.p.)


       A tecnologia é já inerente à vida do jovem, ou seja, não há como ignorá-la ou considerá-la algo não desejável em sala de aula. As escolas que ainda resistem ao uso de tecnologia em sala de aula passam a ter uma relação autoritária com os alunos. Segundo Parolin (2014, s.p.), o desafio da escola de hoje é promover uma aprendizagem que humanize e promova a inserção social. Para isso, é preciso compreender algumas características dessa geração, que é:

[...] conectada, mas impaciente; hiperativa, com atenção limitada a pequenos intervalos de tempo; que não pensa em linearidade, mas em descontinuidade; que tende às multitarefas; que desrespeita seus educadores e se identifica com ícones midiáticos; que vive no senso de urgência (que tem pressa), aliada ao fato de usarem as novas tecnologias com melhor desenvoltura que seus educadores, mas que precisa de ajuda para focar no aprender. (PAROLIN, 2014, s.p.)


       De acordo com a autora, esse é o perfil do jovem atual, aquele que ocupa as salas de aula e que deseja ser motivado e surpreendido, de modo a ter um motivo real para participar das atividades propostas em aula. Encontrar a fórmula para essa motivação e conseguir, de fato, desenvolver as competências e habilidades de nossos jovens é, certamente, um objetivo fortemente almejado pelos professores, diretores, pedagogos e demais profissionais envolvidos com a educação.
       Como ponto de partida nessa busca em obter resultados satisfatórios na educação, abordaremos, a seguir, a questão do novo papel da escola e como motivar o aluno atual. Deste modo, espera-se contribuir para uma discussão mais produtiva, que leve à promoção de uma educação que se identifique com a realidade atual e que tenha uma função efetiva na melhoria de qualidade de vida dos estudantes.


3.1 Que habilidades são realmente importantes para o desenvolvimento dos alunos atuais?


       A finalidade do sistema de ensino é, certamente, levar o aluno ao sucesso. No entanto, parece necessário repensar quais as capacitações são realmente importantes para que se atinja essa finalidade. Até o momento, a capacidade cognitiva, as habilidades matemáticas e linguísticas têm sido consideradas a base do sucesso. A inteligência basta para garantir que o aluno seja considerado promissor e levantar expectativas de triunfo no futuro?
       No final da década de 1990, James Heckman, professor de economia da Universidade de Chicago, passou a supervisionar grupos de pesquisa e a empreender um programa denominado Desenvolvimento Educativo Geral (DEG), no qual o estudante que, por meio de testes, comprovasse conhecimento e inteligência necessários, era dispensado de seguir os estudos no Ensino Médio e receberia o certificado. Ocorre que, embora nos testes de desempenho aqueles que haviam recebido o GED demonstrassem ter inteligência similar aos que haviam concluído o Ensino Médio, quando se verificou a trajetória de ambos os grupos no Ensino Superior, apenas 3% daqueles que tinham o GED se matricularam ou concluíram a faculdade, enquanto 46% dos que efetivamente cursaram o Ensino Médio cursavam ou já tinham concluído o Ensino Superior.
       Segundo Tough (2014):

O que estava faltando nesta equação, concluiu Heckman, eram os traços psicológicos que haviam permitido aos indivíduos de Ensino Médio completo terminar os estudos. Esses traços – tendência a persistir em tarefas tediosas e muitas vezes sem recompensa aparente; capacidade de adiar a gratificação; tendência a seguir um plano – também se revelavam valiosos na universidade, no trabalho e na vida de maneira geral. (TOUHG, 2014, p.21-22)


     Um estudo coordenado pelo Dr. Bruce Perry, um dos mais importantes neurocientistas do mundo, acompanhou um grupo de alunos desde a pré-escola até a idade adulta. A ideia era verificar se crianças, filhas de pais com baixa renda, ao frequentar a Perry Preschool e obter acompanhamento escolar, tinham seu QI desenvolvido, em relação a um grupo de controle que não tinha acompanhamento escolar. Nesse estudo, verificou-se que, após o terceiro ano de ensino, o QI dessas crianças não era melhor do que as do grupo de controle.
     O professor James Heckman decidiu fazer um novo estudo utilizando os dados dos alunos da Perry Preschool e chegou a algumas conclusões importantes. Segundo Heckman (2013):

Embora não produzindo ganhos de longo prazo no QI, o programa Perry efetivamente gerou melhorias duradouras no caráter, reduzindo substancialmente comportamentos agressivos, antissociais e de desobediência às regras, o que consequentemente melhorou uma série de resultados no mercado de trabalho e em comportamentos em relação à saúde, assim como reduziu a atividade criminosa. (HECKMAN, 2013, s.p)





     Ainda segundo o autor:


[...] o caráter pode ser moldado de uma forma melhor por meio de uma educação de qualidade na primeira infância, desde o nascimento até os cinco anos de idade, que deve ser posteriormente reforçada na adolescência e no início da fase adulta. Os formuladores de políticas, educadores e ativistas sociais e econômicos agiriam de forma sensata se adotassem as seguintes medidas: • Investir em programas de qualidade de educação para a primeira infância, para crianças de 0 a 5 anos de idade. • Certificar-se de que os programas de educação para a primeira infância abranjam o desenvolvimento cognitivo e do caráter. • Levar em conta o caráter e seus efeitos sobre o aproveitamento escolar e os resultados práticos na idade adulta ao avaliar os programas de educação para a primeira infância. • Desenvolver instrumentos de medida eficazes para o caráter e utilizá-los com o mesmo rigor atualmente aplicado para testar as habilidades cognitivas. • Colocar uma ênfase maior no desenvolvimento do caráter ao longo do ensino fundamental e médio, com um forte reforço durante os anos da adolescência. (HECKMAN, 2013, s.p.)


     A formação do caráter pode ser considerada, então, a base da motivação e da possibilidade de sucesso dos jovens aprendizes, visto que a informação por si só perdeu seu protagonismo no processo de educação. Os alunos da escola KIPP Academy de Nova Iorque, por exemplo, eram informados desde o primeiro dia de aula sobre a importância de cursar uma faculdade. Os professores decoravam a sala e os corredores com flâmulas das Universidades onde se formaram e um grande cartaz foi fixado na escada, dizendo “GALGAR A MONTANHA ATÉ A FACULDADE”. O que se denominou “pontos fortes do caráter” foi ensinado de maneira explícita, com mensagens espalhadas pela escola, tais como: “Seja gentil”; “Não existem atalhos” e “Trabalhe com afinco”.
     As capacitações ligadas ao caráter podem ser aprendidas, mas uma forma eficiente de ensiná-las é mostrar por que elas são importantes. O aluno precisa saber o resultado prático, as vantagens de se lapidar o caráter.
     No Brasil, os altos índices de criminalidade entre jovens, a violência nas escolas, a evasão escolar e o baixo índice de aproveitamento são claros sinais de que é preciso mudar o modo de se educar. Sem princípios e valores estabelecidos, boas notas em disciplinas como matemática, geografia ou história, por exemplo, não parecem ter grande significado para a vida dos alunos e futuros cidadãos.
      


2      CONSIDERAÇÕES FINAIS

       O sistema de ensino atual, que exige que o aluno se adeque a ele, tem se mostrado ineficiente. Não se pode considerar o ambiente escolar como um local à parte do que acontece na sociedade. As famílias mudaram, a sociedade mudou, a escola também precisa mudar.
       A escola é um espaço de convivência dos jovens, é um local onde eles se encontram, trocam experiências e se relacionam. Ela pode e deve ser, portanto, um lugar de possibilidades, de crescimento, de experiências e onde o jovem possa ter voz. Para isso, é importante que a escola conheça esse jovem. Ele não é mais o mesmo do século passado, ele mudou e essa mudança parece não ter sido considerada ou percebida no sistema escolar.
       Esse aluno multitarefas do século XXI, segundo os autores citados aqui, não mais se adequa ao antigo modelo educacional. Talvez seja preciso olhar melhor para suas necessidades e expectativas, pois, conforme afirma Imbérnon, realmente não é possível prever que atividades profissionais serão demandadas pelo mercado no futuro, nessa época de mudanças rápidas. Além disso, responsabilizar os jovens, suas famílias ou o sistema de governo pelas dificuldades em alcançar sucesso na educação é inútil.
       Todos sabemos dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira, que parece perplexa diante de novos modelos de comportamento, do aumento exponencial da criminalidade e da desmotivação dos jovens em buscar o sucesso. A escola tem sofrido as consequências dessas mudanças, de diversas formas. Professores frustrados e amedrontados, alunos sem perspectivas e pais ausentes ou confusos em relação ao seu papel na vida escolar.
       Esse cenário indica fortemente que mudanças precisam ser feitas. A concepção de escola que produzia conhecimento, passava informações e impunha um modelo pronto para que seus alunos fossem inseridos num mercado de trabalho já determinado não existe mais. O mercado também tem mudado com frequência, muitas profissões se tornam obsoletas ou pouco interessantes, quando outras são criadas. Cada vez mais, características comportamentais e de atitude são valorizadas e consideradas importantes para o sucesso profissional. Afinal, informações estão disponíveis a todos. O aluno atual não vê motivo para estar por horas em uma sala de aula, recebendo informações que pode rapidamente obter na web. A escola precisa oferecer algo mais. Há uma lacuna, no que diz respeito às capacitações de caráter, que são o que realmente importa na atualidade.
       O aluno que tem a oportunidade de desenvolver capacitações como responsabilidade, comprometimento, determinação, disciplina e identidade certamente estará mais preparado para exercer qualquer profissão. Este trabalho buscou apresentar estudos voltados para essa perspectiva e apontar dialogicamente possibilidades que contribuam para promover uma educação eficaz e voltada para o desenvolvimento pleno do cidadão e da sociedade.      




REFERÊNCIAS


BOCK, K. Teorias do progresso, desenvolvimento e evolução, in T. Bottomore e R. Nisbet (orgs.). História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 176-189.

FARIA, Josimerci  Ittavo  Lamana; CASAGRANDE, Lisete Diniz Ribas. A educação para o século XXI e a formação do professor reflexivo na enfermagem. Revista Latino-americana de Enfermagem. Ribeirão Preto: USP, setembro-outubro/2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v12n5/v12n5a17.pdf. Acesso em: 24/08/2015.

FOX, Jeremy. Chomsky y la globalización. Barcelona: Gedisa, 2004.

HECKMAN, James; PINTO, Rodrigo; SAVELYEV, Peter. Understanding the mechanisms through which an influential early childhood program boosted adult outcomes. American Economic Review 2013.

IMBÉRNON, Francisco. A educação no século XXI – desafios de um futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PAROLIN, Isabel. Aprendizagem em tempos de web. Disponível em: http://www2.escolainterativa.com.br/canais/20_encontros_tem/encontros/2014/anexos/texto_isabel_parolin.pdf. Acesso em: 25/08/2015.

TOUGH, Paul. Uma questão de caráter: por que a curiosidade e a determinação podem ser mais importantes que a inteligência para uma educação de sucesso. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.












[1] Mestre em Neuropsicologia Cognitiva e Inteligências Múltiplas pela Universidad Camilo Jose Cela (Espanha). Especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Superior Tupy – UNISOCIESC. Graduada em Letras pela Univali (Santa Catarina). Membro do corpo editorial da revista Caminho Aberto do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Docente de Comunicação Oral e Escrita e Metodologia Científica do Centro Tecnológico do Senai Florianópolis (CTAI). E-mail: tania@cursostanianeves.com.br
[2] Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v12n5/v12n5a17.pdf. Acesso em 27/08/2015.
[3] “sejam quais sejam os sonhos que as pessoas tenham acerca do progresso e acerca de como construir um mundo melhor, a globalização econômica parece destinada a seguir produzindo uma crescente brecha entre ricos e pobres” (Tradução da autora).

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O INFERNO MORNO DE DAN BROWN


Firenze é uma cidade muito, muito especial. Digo que aqui é minha segunda casa. A primeira fica em Florianópolis. Fico um tanto cá, um tanto lá. Sou uma pessoa realmente privilegiada, não? O “centro stòrico” de Firenze é uma constante festa, com muita gente bonita e elegante circulando o tempo todo, um (bom) músico em cada esquina e lojas simplesmente irresistíveis. Além disso tudo, é o berço da arte e da cultura italiana. Se você aprecia museus de tirar o fôlego, bibliotecas incríveis e concertos maravilhosos, aqui é o paraíso. É simplesmente impossível encontrar um lugar feio em Firenze. Pode-se entender por que esta cidade é o cenário perfeito para produções de peso, como o videoclipe “Turn Up the Radio” da Madonna (2012) - que pude acompanhar, pois já morava aqui na época -, entre tantas outras.
Neste ano, acompanhei o lançamento do filme “Inferno”, baseado no livro de Dan Brown e rodado em Firenze, Veneza e uma pequena parte em Stambul. O lançamento mundial foi aqui mesmo, em Firenze, no dia 8 deste mês, com a presença dos protagonistas, do diretor Ron Howard e do próprio Dan Brown. Foram quatro dias de festas “vip”, frisson de fãs e projeção do trailer sobre o famoso e lindo rio Arno, em frente à Ponte Vechio.

Não assisti à segunda produção, baseada no livro de Dan Brown, Anjos e Demônios, embora tivesse gostado de Código Da Vinci. Não acredito em séries no cinema. No entanto, envolvida pelo clamor do marketing que dominou Firenze nos últimos dias, resolvi gastar meus “ricos eurinhos” para conferir se o filme fazia jus. Aqui vão minhas impressões: “Inferno” é mais um filme comercial. Ponto. Cenários fantásticos, ótimos atores e roteiro que chega a ser infantil. Fórmula pronta e repetitiva, sem a mais pálida sombra de criatividade e verossimilhança. Para tentar compensar essa superficialidade, o filme é cheio de cenas surreais e muita ação, a ponto de ficar cansativo num determinado momento. Tom Hanks faz o que pode, mas, a despeito de seu inegável talento, desta vez o superinteligente e esperto professor Robert Langdon não desenvolve. Parece desgastado e patina numa relação estranha com a também estranha personagem de Felicity Jones. Esta parece totalmente sem utilidade na estória, não convence e não diz a que veio. Sua função fica clara somente no final do filme, e desaponta. Aliás, os outros três personagens centrais (interpretados por Irrfan Khan, Omar Sy e Sidse Knudsen) também são superficiais e decorativos. Parecem ter caído de paraquedas numa estória absurda e mal contada. A referência à obra de Dante Alighieri – Inferno, que inclusive dá nome ao filme, é outro ponto débil e parece ser apenas um artifício para catapultar o roteiro pífio a um nível um pouco mais elevado. O filme vale, como eu disse antes, apenas pelos cenários fantásticos. Os personagens nos levam ao interior de museus onde raramente podemos ter acesso, tanto de Firenze quanto de Veneza, ou seja, é um festival para os olhos. Fora isso, confesso que saí do cinema com a sensação de “Ah, então tá!”. Nada mais.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Nossa língua portuguesa

Hoje tive uma grata surpresa. Em 2011 escrevi um artigo para o jornal Diário Catarinense (Florianópolis), comentando sobre a absurda cartilha distribuída nas escolas públicas, na qual a língua portuguesa foi desrespeitada como patrimônio cultural de nosso país, como se, de repente, alguns "gênios" improvisados pudessem distorcer o correto uso do idioma falado por 200 milhões de habitantes, transformando-a numa ferramenta de conversa de boteco. Obviamente não estou me referindo às variantes linguísticas, nem à comunicação oral, que pertence a outra seara. Refiro-me à comunicação escrita, aquela que transmite os conhecimentos, descobertas e cultura de um povo e que deve ser respeitada e preservada. Bem... a minha grata surpresa foi a descoberta de uma citação à minha pessoa, feita pelo jornalista Léo, autor do blog Espaço Cidadão, que também comenta o mesmo assunto. Para aqueles que acharem interessante, clique no título do artigo para lê-lo: Ripada, pele e cabelo.


terça-feira, 3 de julho de 2012

Sociolinguística: Língua e Sociedade




UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE  CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE LETRAS
Tânia A Neves Barth (30/04/2008)


Texto: Língua e Sociedade
PRETI, Dino. Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo, Nacional, 1974. pág. 7.


1.- Definição de Língua:

Um sistema de signos convencionais que faculta aos membros de uma comunidade a possibilidade de comunicação.

2.- Por que a relação entre a sociedade e a língua não é de mera casualidade?

Porque desde o nascimento, estamos expostos a uma infinidade de signos lingüísticos que nos oferecem possibilidades para nos comunicarmos. Pela imitação e associação, começamos a formular mensagens, o que torna a língua parte de nossa realidade.

3.- Qual a importância da língua no ato da comunicação?

A importância da língua se dá a partir do momento em que ela está presente em todos os veículos que o homem utiliza para se comunicar, nas diversas formas de atualizar seu conhecimento e seu contato com o mundo.

 4.- O que abrange a dinâmica social de que a língua é suporte?



As relações diárias entre os membros da comunidade, atividades intelectuais, informativos dos meios de comunicação em massa, a vida cultural, cientifica e intelectual.



5.-  Idéias centrais do texto:



·         A língua exerce papel primordial nas relações humanas, facultando aos membros de uma comunidade, a capacidade de comunicação;

·         A relação entre a língua e a sociedade começa no nascimento, através da imitação e associação dos signos lingüísticos, propiciando o intercâmbio e a interatividade social;

·         A língua, oral ou escrita, está presente em todos os veículos de comunicação, atualizando o contato do homem com o mundo que o cerca;

·         A língua é o suporte da dinâmica social, seja das relações humanas, da informação, da vida cultural, científica e literária.




Oficina de Leitura



SEMINÁRIO - TEMA:  “OFICINA DE LEITURA”
Profa. Tânia A Neves Barth



Objetivo:

O objetivo desta pesquisa é a análise das concepções de texto e leitura nas salas de aula.
Tema:

As causas da desmotivação e do desinteresse dos alunos na prática de leitura.
Método:

O método utilizado para a realização desta pesquisa foi a análise do capítulo 2 – “A Concepção Escolar da Leitura”, do livro “Oficina de Leitura”.

Referência:

KLEIMAN, Angela. A concepção escolar de leitura In:___. OFICINA DE LEITURA: TEORIA E PRÁTICA. Campinas, SP: Pontes, 2001, p. 15-30.

Considerações:
Angela Kleiman expõe a problemática de se conseguir estimular o aluno à prática de leitura, considerando que os textos são utilizados pelos professores como instrumentos de exercícios gramaticais, tirando-os o prazer da leitura pelo seu contexto. Pode-se identificar algumas práticas que inibem o gosto e interesse do aluno pela leitura:
  • Nos livros didáticos, os textos são utilizados para o ensino de regras sintáticas;
  • A tentativa de se fazer uma interpretação do texto de forma absoluta, sem levar em consideração o contexto histórico e social, tanto do autor quanto do aluno;
  • A leitura, em voz alta, para alunos das primeiras séries, pode provocar naqueles que têm dificuldade na pronúncia, motivo de insegurança e desmotivação;
Ao professor cabe o papel de mediador entre o aluno e o autor, alargando o universo temático do aprendiz e desenvolvendo seu senso crítico em relação à sociedade e ao mundo em que vive. O texto jornalístico pode ser bastante adequado para a familiarização do aluno com a leitura, já que o mesmo trata de assuntos cotidianos, com os quais ele se identifica. Existem várias possibilidades para se trabalhar de forma produtiva com textos jornalísticos:
·         Discutir com os alunos a relação da manchete com o texto;
·         As estratégias possíveis que o jornalista pode utilizar para abordar o texto;
·         Uso de expressões que expressem a opinião do jornalista, autor do texto;
·         O uso de aspas para reproduzir a fala do entrevistado;
·         Entre outras
É fundamental que o professor tenha interesse na área de leitura, ou seja, que o mesmo seja um leitor. Desta forma, terá mais facilidade em buscar formas alternativas e dinâmicas de despertar o gosto pela leitura em seus alunos, evitando as concepções obsoletas e ineficientes.

Explorando Textos e Horizontes: A Estética da Recepção no Ensino de Literatura

RESENHA SOBRE O TEXTO: “Explorando Textos e Horizontes: A Estética da Recepção no Ensino de Literatura” – SOUZA, Luana Soares de (Org.). Ensino de Língua e Literatura: Alternativas Metodológicas. Canoas: Ed. ULBRA, 2003.



     A literatura, sem dúvida, pode ser um poderoso instrumento, que possibilita ao professor despertar no aluno o encantamento pela leitura, que o acompanhará por toda sua vida. No entanto, alguns professores a utilizam apenas para o estudo de regras gramaticais, o que pode ser considerado inadequado, pois uma obra literária traduz-se como uma criação livre de um poeta ou escritor, devendo, portanto, ser tratado artisticamente e não como material de aprendizagem de conteúdos.

     A simples imposição da leitura de obras literárias consideradas clássicas, escolhidas pelo professor, não estimula os aprendizes, tornando-se enfadonha e criando um distanciamento entre o aluno e a obra. Tomando como princípio o fato de que cabe ao professor despertar no aluno seu senso crítico, tornando-o um leitor com capacidade analítica e um cidadão responsável, parece claro que as abordagens deste tema devem ser desafiadoras e instigantes.

     Já na década de 60 os filólogos Hans Robert Jauss, Karlheinz Stierle, Wolfgang Iser e H. U. Gumbrencht, fundadores do primeiro departamento de Ciência da Literatura da Universidade de Konstanz, na Alemanha, propuseram uma renovação no ensino da literatura, com a intenção de mudar a forma autoritária de ensinar a matéria e alcançar o diálogo entre professores e alunos.

     As obras estudadas eram, então, isoladas de seu contexto histórico e social, não havendo, portanto, nenhuma referência com a qual o leitor pudesse se identificar. O que Hans Robert e seus colegas defendiam é que o texto deve ser interpretado dentro do contexto das experiências dos leitores.  A ciência da literatura centra-se no leitor, cuja participação, enquanto destinatário, não pode ser ignorada. Desta forma, o conceito de “interpretação correta” é substituído pelas condições sociais e históricas relacionadas à significação do texto, e pelas condições recepcionais distintas dos leitores. O ponto de vista passa, então, da produção de uma obra para o seu consumo, a forma que o texto age sobre seu destinatário.

     De acordo com a teoria de Jauss, o professor deve, ao propor a leitura, observar os gostos dos alunos, bem como seu contexto social. Despertado o interesse, o professor poderá então, gradativamente, propor textos que o distanciem de seu universo, proporcionando ao aprendiz diferentes visões de mundo, com o objetivo de ampliar seus horizontes. Com este distanciamento, o aluno tem a oportunidade de refletir e interpretar sua história através de outras perspectivas. Quanto ao processo de avaliação, deverá ser observada a dinâmica de leitura e escrita do aluno nas atividades propostas, sua habilidade na comparação e no contraste e na argumentação.

     A literatura abordada desta forma torna-se prazerosa e não uma atividade mecânica e sem significado para o aluno. É importante que o professor tenha consciência de seu papel nesta relação, que saiba seduzir o aluno para a leitura, procurando identificar sua realidade histórico-social. Apesar de não parecer fácil ao professor enfrentar tal desafio, certamente o interesse dos alunos e seu desenvolvimento enquanto cidadãos trará ao mestre a grata sensação de dever cumprido.

    




Linha Crítica Adotada pela Revista Veja


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

UNIVALI
  

SEMINÁRIO DE CRÍTICA LITERÁRIA



Tânia A Neves Barth, Lourdes C Moreira, Denise Zanon

1.      O objetivo desta pesquisa é identificar a existência, ou não, de uma linha crítica adotada na revista Veja, no que se refere às críticas apresentadas na página “livros”.

2.      O método utilizado para a realização desta pesquisa foi a análise das tendências de estilo das críticas, referentes a livros recém-lançados no mercado, apresentadas na página “livros” da revista “Veja”, números 28, 29, 30, 31 e 32.



3.      ANÁLISES:


3.1  Análise de Tânia A Neves Barth - Revista Veja número 28 – p. 130


Livro: DESONRADA

Autor: Mukhtar Mai

Título da Crítica: O RESGATE DA HONRA

Autor: Ronaldo Soares



(O livro conta o relato de uma paquistanesa, sobre sua dor de ser estuprada por quatro homens diante de sua aldeia).

A crítica de Ronaldo Soares apresenta elementos que remetem ao estilo de Crítica Biográfica e Crítica Sociológica. Os elementos de Crítica Biográfica estão presentes no texto de Ronaldo Soares, onde o crítico destaca fatos da vida de Mukhatar, demonstrando que vida e obra da autora do livro estão intimamente relacionados, pois a partir de acontecimentos trágicos ocorridos em sua vida, Mukhatar desenvolveu o tema, numa atitude de exortação ou desabafo. Logo no início da crítica, Ronaldo descreve o fato central do livro que, embora num primeiro momento pareça uma descrição biográfica da autora feita pelo crítico, trata-se de um trecho extraído do livro:


A paquistanesa Mukhtar Mai apertou seu exemplar do “Corão” contra o peito quando ouviu, na presença de mais de 100 homens, a sentença que o conselho de sua aldeia acabara de lhe impor: um estupro coletivo. Integrante de uma casta inferior, Mukhtar fora até lá apenas para pedir clemência para o irmão mais jovem.


Em outro trecho da crítica, Soares cita novamente dados da vida da autora, agora com contexto informativo:


A camponesa pobre e analfabeta, nascida Mukhtaran Bibi, virou uma ativista conhecida mundo afora pelo codinome Mukhtar Mai, que significa “grande irmã respeitada” em urdu, o idioma oficial de seu país. Seu livro, publicado no ano passado, é o terceiro na lista dos mais vendidos na França. Nele, conta como se deu essa transformação. Narra sua luta por justiça e relata barbaridades cometidas contra mulheres em seu país.


Os elementos de Crítica Sociológica são identificados na descrição que Soares faz das condições sociais vividas pelas mulheres no Paquistão, que se tornaram o mote do livro. Demonstra também a importância da obra como instrumento de reação a tais condições, sendo o primeiro passo para o início de ações sociais que visam mudar esse quadro. Tais elementos podem ser notados nos seguintes trechos do texto de Ronaldo Soares:


Mais que um desfecho de uma querela tribal, o livro narra como Mukhtar transformou sua tragédia pessoal em uma boa causa: a defesa dos direitos das mulheres em seu país. E com isso, tornou-se um símbolo da luta das mulheres no mundo islâmico.


... ela iniciou um movimento que contesta a condição humana feminina em seu país e questiona hábitos ancestrais como o jirga, conselho tribal que a condenou ao estupro.


Soares cita, ainda, a crítica divulgada pelo New York Times:


... Para o jornal The New York Times, ela é “A Rosa Parks do século XXI”, comparação feita com a americana-símbolo do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos.


E continua:


Ainda que movida pela revolta, Mukhtar apostou na educação como forma de mudar a realidade de seu país.


3.2  Análise de Lourdes C Moreira - Revista Veja número 29 – p. 118 e 119


Livro:  O BAZAR ATÔMICO

Autor: William Langewiesche

Título da Crítica: O APOCALIPSE DOS POBRES

Autor: Jerônimo Coelho



(È um livro-reportagem, que faz um alerta para a proliferação de armas atômicas entre países instáveis).


O texto de Jerônimo Teixeira traz elementos presentes na crítica Historiográfica, visto que procura explicar a obra pelas condições exteriores de sua criação sob a perspectiva histórica, sociológica e psicológica. Apresenta referências contextuais que evidenciam aspectos da ameaça nuclear, oriunda tanto de países ricos como de países pobres.


O fim da Guerra Fria, no início dos anos 90 parecia ter encerrado a ameaça do apocalipse nuclear. Mas então os doidos da Al Qaeda derrubaram o World Trade Center, em 2001, e o desmantelamento da União Soviética se transformou em favor adicional de pânico. E se os terroristas colocarem as mãos no material nuclear das antigas repúblicas soviéticas?



Há predomínio do contexto, pois a análise é fundamentada nos aspectos que causariam o uso da energia atômica por países terroristas, e faz um paralelo entre o ocorrido em Hiroshima em 45; caminha para os testes nucleares realizados pelo Paquistão em 1998.


As primeiras páginas de O Bazar Atômico centra-se nos efeitos da bomba que destruiu a cidade de Hiroshima, em 1945, e levou a que o Japão se colocasse de joelhos, diante dos Estados Unidos.[...]


A proliferação atômica em países pobres e instáveis é, essa sim, um risco imediato. O Irã dos aiatolás está desenvolvendo seu programa de enriquecimento de urânio, e só depois de muita pressão internacional a Coréia do Norte desistiu neste ano de seu programa nuclear. [...] O verdadeiro centro irradiador dessa nova corrida nuclear é o Paquistão, que fez seus primeiros testes nucleares em 1998.


O crítico salienta também as questões psicológicas e econômicas que afetam o planeta com a proliferação das armas atômicas e suas consequências.


Os pesadelos de destruição global da Guerra Fria podem estar distantes. Mas a convivência explosiva de Paquistão e Índia coloca em cena o perigo dos apocalipses regionais. E, se quatro jatos de passageiros foram capazes de sacudir todo o tênue equilíbrio geopolítico mundial, é de imaginar que ruína um atentado nuclear causaria na já tão abalada psique do planeta.


3.3  Análise de Lourdes C Moreira  - Revista Veja número 30 – p. 134 e 135


Livro:  HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE

Autor: J. K. Rowlling

Título da Crítica: AGORA ACABOU

Autor: Isabela Boscov



(Agora Acabou de Isabela Boscoy faz crítica à obra As Relíquias da Morte de J. K. Rowling)



A crítica de Isabela Boscoy com relação à referida obra é de cunho Biográfico e Sociológico.

Traz elementos da crítica biográfica quando destaca a autora em relação à obra, informando que é líder de vendas e ressalta a fortuna conseguida através da sua escrita, apesar de sua narrativa ser considerada banal. “A prosa de Rowling é banal e seus personagens são unidimensionais e seu grande dom, como escritora, é o de argumentista – assim que supera uma abertura um tanto lenta”. Em outro momento também afirma, “ Fãs comemoram o lançamento, no último sábado: Rowling quebrou todos os recordes que pertenciam a Rowling.[ ...] 1 bilhão de dólares é em quanto se estima a fortuna pessoal de J. K. Rowling” Paralela à crítica biográfica percebe-se também elementos da crítica sociológica quando apresenta o conhecimento do contexto (prática da leitura) em confronto com o romance (os atrativos desta leitura), isto é, a autora de Harry Potter traz para sua obra temas que interessam ao leitor jovem, que é o maior público de sua obra. “Com Harry Potter e as Relíquias da Morte, encerra-se um fenômeno editorial. E renova-se a pergunta: ele criou novos leitores?” Ainda afirma, “Eis, então, aquela que sempre foi a maior qualidade de Rowling: a confiança de que o público infanto-juvenil está à altura de temas como traição, morte, abandono, lealdade e responsabilidade.”

E ao final da crítica, Boscoy, faz uma fusão destas duas críticas destacando tanto a autora como o fenômeno do interesse dos jovens pela obra.


Os 325 milhões de exemplares vendidos por Rowling até as Relíquias da Morte sugerem que algo de positivo, sim, há de sobrar desse fenômeno. Nem que seja apenas a constatação de que não pode ser responsabilidade de uma única escritora resolver um problema – o desinteresse de toda uma geração pela palavra escrita- para a qual pais e professores não conseguem encontrar solução adequada.


3.4  Análise de Denise Zanon  - Revista Veja número 30


Livro: A EVOLUÇÃO DAS COISAS ÚTEIS

Autor: Henry Petroski

Título da Crítica: MIUDEZAS GENIAIS

Autor: Jerônimo Teixeira


O crítico Jerônimo Teixeira apresenta uma mescla de crítica Historiográfica e Sociológica. Historiográfica quando analisa a obra a partir do aspecto da evolução histórica que os objetos comuns sofreram no decorrer dos séculos. Afirma, “Ao reconstruir a evolução histórica desses apetrechos simples o autor ilumina os complicados caminhos da inovação”.

Sociológica quando associa os objetos às necessidades do homem e à insatisfação desse homem dentro do seu contexto e com os objetos dos quais faz uso, o que provoca a discussão da própria sociedade.


Petroski não aceita o clichê segundo o qual a necessidade é a mãe da invenção. O homem, pondera, tem necessidade de água, mas não de cubos de gelo ou ar condicionado. “O luxo é a mãe da invenção”, diz o autor.


O texto é um pretexto para a discussão da sociedade e seus costumes, o homem explicando as mudanças e a criticidade. Petroski ensina que o inventor é, antes de tudo, um crítico. É a partir da percepção de defeitos nas coisas existentes que ele chega a um design inovador. Afirma [...] “Este é um processo inesgotável, pela razão simples de que não existe invenção humana que não comporte algum defeito. E foi essa insatisfação permanente que produziu todos os modernos luxos eletrônicos.”

Nas críticas cujo autor é Jerônimo Teixeira percebe-se uma tendência para as críticas Historiográficas e Sociológicas. Não há por parte dele exaltação ao autor, mas sim ao contexto histórico e às pertinências sociais.


3.5  Análise de Tânia A Neves Barth - Revista Veja número 31 – p. 136 e 137


Livro:  A CIDADE DO SOL

Autor: Khaled Hosseini

Título da Crítica: O SIDNEY SHELDON AFEGÃO

Autor: Jerônimo Teixeira


(O livro conta a história, passada em Cabul, sobre duas mulheres casadas com um homem bruto que as espancava e as obrigava a usar a burca, antes mesmo que o regime Talibã o tornasse obrigatório)


Logo no início de sua crítica ao livro “Cidade do Sol”, Jerônimo Teixeira demonstra sua forte tendência à Crítica Sociológica:


...em Cabul, durante o regime fundamentalista, do Talibã – cuja idiotia ideológica e religiosa proibia comezinhas como televisão, música e pipas - , até mesmo assistir o filme Titanic no videocassete de casa era um perigoso ato de transgressão.



... A cidade do Sol é, ao contrário, uma espécie de Sidney Sheldon islâmico: um romance sobre mulheres sofredoras, amaldiçoadas pela sorte e humilhadas por homens maus, mas que no fim conseguem (ou, pelo menos, uma delas consegue) dar a volta por cima.



É importante ressaltar que o tema do livro possui forte cunho sociológico, pois conta a história de duas mulheres afegãs, esposas de um homem violento e radical, que em nome do fanatismo religioso comete atrocidades com as mulheres. No entanto, as características da Crítica Historiográfica se fazem presentes em vários momentos do texto de Jerônimo Teixeira, tal como:


Hosseini oferece um retrato palpável da vida no Afeganistão ao longo das últimas quatro décadas – um conturbado período que inclui a invasão soviética, guerras civis, o regime talibã e a ocupação americana. Despertada pelos eventos de 11 de setembro de 2001, a curiosidade ocidental pela realidade dos países islâmicos responde por parte do sucesso de Hosseini.


  1. Relatório da pesquisa


A revista Veja é um periódico publicado semanalmente, que possui as seguintes características, referentes ao público-alvo:

-          Faixa social: A/B e C
-          Escolaridade: Médio/Superior
-          Homens e mulheres
-          Profissionais qualificados/Formadores de opinião
-          Ativos no mercado de consumo e entretenimento


Em relação ao tema proposto, as críticas referentes aos livros recém-lançados no mercado são publicadas por autores diversos, o que elimina a uniformidade de estilo dos textos. A revista Veja tem proposta de entretenimento e informação ao público em geral, além de ser um veículo de mídia com interesses mercadológicos. Portanto, de modo geral, a revista tem uma tendência para destacar elementos do contexto histórico e social das obras analisadas, inserindo-se as críticas Historiográfica e Sociológica.

Das cinco revistas analisadas, três críticas são de autoria de Jerônimo Teixeira (A evolução das coisas úteis de Henry Petroski; A cidade do sol de Khaled Hosseini e O bazar atômico de William Lange Wiesche). Esse crítico ressalta elementos nas obras que induzem a discussão da sociedade na qual  a narrativa e os personagens estão inseridos, trazendo paralelamente informações históricas desse contexto social, destacando também elementos da Crítica Historiográfica.

Além de enfatizar a sociedade, o crítico estabelece uma relação entre sociedade e literatura, pois, é necessário fazer com que o leitor tenha interesse pela obra, não esquecendo que a revista, além de informar, tem uma finalidade mercadológica.

Percebe-se também um olhar para o estudo cultural, pois essas obras apresentam os diferentes aspectos da cultura em que a temática está inserida, com um olhar voltado para a estrutura social e o contexto histórico.